RESPONSÁVEL: The Two Sides Team 24/06/2015
Leitor da mídia impressa retém informação mais do que o da internet. Especialistas explicam porquê
Por: Dum De Lucca
A universidade de Oregon realizou pesquisa que mapeou a retenção de conteúdo no The New York Times impresso e na versão digital
Não dá para negar que, quando se está diante de um computador, um mundo repleto de estímulos, curiosidades, sensações, e um universo quase infinito de possibilidades ficam disponíveis em um clique do mouse. Seja para pesquisa, diversão, estudo, comunicação ou leitura, a informação digital pode ser considerada mais rápida, efetiva e cirúrgica. Uma pesquisa realizada pela Time Warner constatou que os jovens trocam de mídia 27 vezes durante uma hora, revelando-se extremamente dispersivos. (Veja mais na pág. 24) Os estudiosos vêm perguntando: 'Será mesmo que a leitura nas plataformas digitais, seja computador, e-reader ou tablet, possui mais efetividade do que em revista, jornal ou livro? Um estudo da Universidade de Oregon, nos Estados Unidos, constatou que o leitor de jornal impresso retém mais infomação que um leitor on-line. IntituladoMedium Matters – "questões de meio" em uma tradução mais literal ou, em trocadilho, "o meio importa" -, a análise mapeou a retenção do conteúdo lido em suporte digital e papel do The New York Times.
Na prática, o resultado apontou que os leitores on-line tendem a passar pelos textos, enquanto os leitores de impresso são mais metódicos.
O estudo, que foi realizado especificamente com os leitores do meio jornal, concluiu o seguinte: numa escala de 0 a 10, eles lembram em média "significativamente mais notícias" (9,6) que o leitor do site do jornal (7,3). O leitor recorda de forma significativa mais tópicos (4,2) que o leitor do digital (2,8). Em relação aos pontos principais, ou seja, os trechos importantes do texto – o leitor do jornal impresso recorda mais (4) que a pessoa que lê na mídia on-line (2,8). Apenas na lembrança dos títulos, quer dizer, na informação superficial, ocorre o empate na comparação entre papel e site. A pesquisa foi realizada com 45 estudantes, a grande maioria (77%) habituada a ler as notícias via internet.
A neurocientista Suzana Herculano, professora do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), PhD em Neurociência pela Université Paris VI e autora de seis livros, acredita que o que faria alguém prestar mais atenção no jornal impresso do que na tela do computador ou na TV é o número de distratores. "O foco da atenção é determinado a cada instante por um mecanismo de competição entre objetivos internos e estímulos externos, o que falar mais alto leva o foco. Por isso, sons fortes, imagens brilhantes ou em movimento são importantes distratores – estímulos que competem fortemente por nossa atenção. Manter a atenção em um único foco a cada instante exige, portanto, ignorar tais estímulos". Isso significa, portanto, que é muito mais fácil ter atenção total quando se olha para uma folha enorme de papel, que cobre quase todo seu campo de visão (e tapa o resto do que está acontecendo na sala, por exemplo), do que em frente à tela do computador (onde há avisos de e-mails chegando e outras tarefas possíveis de se tentar fazer ao mesmo tempo, por exemplo). As alternativas oferecidas pela internet no momento da leitura são, ao mesmo tempo, um convite ao leitor para desviar sua atenção e seus pensamentos. "Por isso me parece naturalmente muito mais fácil se manter concentrado ao ler mídia impressa", conclui.
Suzana, da UFRJ: um papel que preencha o campo
visual prende mais a atenção
Uma tela de site favorece a leitura ágil,
enquanto os textos longos pedem papel
Antunes, da Todos pela Educação: texto
impresso retém de foma mais ampla
Manter a atenção em um único foco exige
ignorar distratores, o que é difícil na internet
Ritual da leitura
Para Eugênio Bucci, jornalista e professor da Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), é preciso ser cauteloso a respeito. "Entre a internet e o meio papel, cresce rapidamente o uso do suporte dos tablets, cujas características de leitura e legibilidade são mais próximas do livro ou da revista (impressos) do que dos sites. Isso indica que não é propriamente a tela eletrônica que desestimula a concentração do leitor e o que ele pode depois reter na memória, aliás, a tela do kindle [o leitor de e-books da Amazon] não é exatamente eletrônica, ela sequer emite luz".
Bucci acha que a diferença está no ritual da leitura. Uma tela de um site favorece leitura rápida e consultas ágeis, enquanto os textos longos são melhor aproveitados em suportes menos dinâmicos (papel ou tablet). "Assim, quando digo que é preciso ter cautela com esse tipo de generalização, levo isso em conta – e, por decorrência, levo em conta também que outros suportes, que não o de papel, estão evoluindo muito rapidamente. Surgirão substitutos para o papel". Mas como? Pra ele, logo teremos suportes para leitura que serão bem mais parecidos com o papel – mas não precisarão de papel, de celulose, nem de tinta. "Isso é o que vai evoluir muito velozmente, o que significa dizer que teremos material para leitura parecido com o papel que não será de papel", prevê. Esse material, segundo Bucci, será distribuído eletronicamente, como acontece com o kindle, o tipo de leitura será parecido com o que temos hoje com o livro ou o jornal impresso.
Costa, da FGV: quando a informação não entra no
plano emocional, é descartada
O ato de pegar a caneta e sublinhar um trecho
do texto prende mais a atenção do leitor
Atenção e retenção
Já o professor e educador Celso Antunes, formado pela USP e da instituição Todos pela Educação, autor de várias obras educacionais, acredita que existe uma explicação neurológica relativamente simples para justificar o resultado da pesquisa. "Todo processo de retenção de informação e aprendizagem está subordinado a dois componentes cerebrais, a atenção e a memória. A pessoa aprende melhor quando presta mais atenção e, obviamente, você joga para a memória a intenção de reter o que aprendeu de uma maneira mais clara". O texto impresso, ou seja, a mídia impressa, possui uma leitura mais longa, mais ritmada do que o texto digital. De acordo com Antunes, não há dúvida de que o texto impresso é mais minucioso e exige uma concentração maior, pois quando estamos diante do computador, a mente fica muito mais dispersa e, muitas vezes, obriga a uma releitura. "A tela do computador é iluminada e atrai a nossa atenção de tal forma, que não despertamos para quase nada do que ocorre a nossa volta. Com a leitura impressa isso não acontece. Isso impõe ao cérebro a tarefa de ler mais atentamente o que é impresso e com uma concentração maior".
O resultado da fixação, assegura, é maior na mídia impressa, porque com atenção detalhada, inconscientemente a leitura é projetada para a memória e é mais eficaz do que a leitura subjetiva que contém tantos fatores que podem levar à desconcentração. Antunes faz uma analogia entre um som ambiente e um concerto em um teatro: "Em um teatro a atenção é total nos detalhes da música, ao contrário da reprodução eletrônica que se dispersa em um local com outras informações e percepções. Então, com a retenção de memória diretamente ligada à atenção, é totalmente compatível o resultado dessa pesquisa". Antunes enfatiza que, se o objetivo do estudo foi apenas pontuar o resultado do futebol de ontem e não envolve um sentido mais amplo de aprendizagem, claro que a mídia eletrônica é mais rápida e tem um sentido de objetividade para esse tipo de busca. Contudo, se há a preocupação em compreender e aprender, então realmente o texto impresso é superior ao eletrônico. "Por isso, o essencial é o destino da informação que se busca. Rapidez ou aprendizado? Ou seja, o texto impresso é muito mais significativo e retém de forma mais ampla. Só o ato de pegar a caneta e sublinhar um trecho do texto, prende muito mais o foco das pessoas. Sintetizando, o impresso toma mais tempo e, por consequência, maior atenção. A pesquisa confirma o que alguns teóricos vêm demonstrando sobre retenção".
O professor lembra que, no Brasil, não existem estudos específicos em Universidades com esse objetivo, apenas pesquisas esporádicas menos significativas. Mas, chama atenção para o centro de neurociência do cientista Miguel Nicolelis, no Rio Grande do Norte, que realiza um trabalho da compreensão do aprendizado e da ciência, resgatando algumas bases neurológicas.
A emoção fala mais alto
Na opinião de Carlos Augusto Costa, professor e coordenador do Laboratório de Neuromarketing da FGV Projetos, a própria pesquisa levanta algumas teses. "O meio impresso induz o leitor a ir do geral para o mais específico, do lead você vai para os detalhamentos, a informação chega de forma sequenciada. A internet é velocidade e muita informação ao mesmo tempo, e isso desvia a atenção. Aí entra a questão da neurométrica", analisa. Quando se faz uma analise neurométrica de qualquer material de comunicação, alguns aspectos são levados em consideração: atenção, porque o que não chama a atenção da pessoa, não se percebe. E aí é preciso mensurar qual o potencial e eficácia dos dois materiais, o impresso e a internet. Dependendo do grau de atenção, o grau de memorização vai ser maior ou menor. Ou seja, a informação pode ser descartada ou armazenada; emoção, porque o que mais chama atenção emociona e se guarda em um lugar especial do cérebro. Quando a informação não entra no plano emocional é descartada. "Hoje estudos comprovam que somos máquinas emocionais, diferente do que se achava no século passado, quando éramos máquinas racionais. 85% das nossas ações são emocionais e inconscientes, fazemos e depois procuramos racionalizar e justificar a ação. A junção da atenção e da emoção fornece o grau de potencialização da memorização, se uma coisa me chamou atenção mas não emocionou, ela tem um poder menor, ao passo que, se algo me emocionou bastante, ficará armazenado no cérebro", explica o especialista da FGV.
Se há a preocupação em compreender e aprender,
o texto no meio impresso é superior ao digital
Pesquisa constatou que a retenção da informação
é de 9,6 para o papel contra 7,3 para o on-line
O sentido da pesquisa
Poucos jornais estão na linha da frente da inovação e experimentação como o The New York Times. Mesmo tendo mais de 30 milhões de visitantes por mês em seu site [http://www.nytimes.com/], o mais acessado site de jornal do mundo, incentivou o estudo da Universidade do Oregon a entender como o público dos Estados Unidos assimila as notícias de jornais on-line e de impressos. O cerne do estudo procurou entender de que forma as pessoas processam as informações que leem, incluindo as coisas que lembram e como passam a acreditar, ou seja, a confiar na notícia. E também, compreender os efeitos profundos que as informações bem assimiladas provocam em cidadãos, além de refletir como os jornais têm tradicionalmente desempenhado seu papel numa sociedade democrática. Se hoje a Mediun Matters constatou que entre 45 estudantes leitores do NYT a retenção da informação está em 9,6 para os leitores do formato impresso contra 7,3 na versão on-line, esse tipo de cuidado de acompanhar a resposta do público não é novidade.
Em 2008, outro estudo comparou a mídia digital com a TV e os pesquisadores chegaram a conclusões semelhantes: um site permitia aos internautas explorar uma ampla variedade de histórias quando comparado com o linear formato da televisão, diminuindo a sua capacidade de memória. As implicações da pesquisa devem direcionar a prioridades de recursos dos jornais, e como eles convivem com mudanças radicais nos hábitos de leitores, seja na versão impressa ou na on-line. Ao construir fidelidade à marca, a mídia impressa deve estar ciente das formas e dos meios de engajamento do leitor.
Bucci, da USP : é preciso ter cuidado ao se comparar meio impresso e digital
Outra pesquisa, cujos resultados foram divultados recentemente diz respeito ao uso das mídias digitais pelos jovens. Encomendada pela Time Warner, com o apoio da Reserch Boston Innerscope, nos Estados Unidos, o estudo apontou que os jovens, em um intervalo de uma hora, trocam de mídia (do computador para o tablet, para o smartphone, para TV, videogame, celular, entre outras telas) cerca de 27 vezes. Esse alto grau de dispersão é bem maior entre os jovens do que entre as pessoas chamadas "imigrantes digitais", habituadas a consumir as "velhas" mídias. Ou seja, os nativos digitais têm um potencial de dispersão 35% maior do que aqueles que foram acostumados com as mídias tradicionais.
Para a Time Warner, o resultado da pesquisa que leva a constatação do comportamento das novas gerações será usada como ferramenta estratégica para entender melhor essa parcela importante de espectadores e, a partir daí, desenvolver e oferecer uma programação que seja competitiva com as outras telas, retendo a atenção e, principalmente, a fidelização.
OS NÚMER OS COMPROVAM
Segundo Costa, cientista da FGV, os mais jovens (abaixo de 24 anos) conseguem conviver melhor com a diversidade de estímulos e padrões dos que os mais velhos. Ele cita uma pesquisa recente realizada pelo Pew Research Center sobre os meios pelos quais as pessoas buscam a informação. Os resultados de 1991 a 2010 apontaram que a TV, o meio mais procurado, teve uma queda de audiência de 68% para 58%; o rádio foi de 54% para 34%; o jornal de 36% para 31% e a internet, de 2004 a 2010, subiu de 24% para 34%. Ou seja, hoje a internet é o principal meio de informação. "Quando se fala em população abaixo de 30 anos, esse índice sobe para 60% na internet, porém, deve -se levar em conta que esse número é de acesso e não memorização. O que define o que vai ter recall, o que será retido, é a atenção, a emoção e o contexto. O jornal é mais completo, tem portabilidade e uma relação emocional como a de um amigo. Isso pode explicar o resultado da pesquisa". O professor acha que o fato da pesquisa ter sido feita com jovens estudantes que nasceram na era da internet, demonstra o quanto a retenção das informações via mídia impressa é mais significativa.
Nesse caso, a retenção se dá como salienta Carlos Augusto, porque a memorização de conteúdos mais completos, estruturados e atrativos é maior. Enquanto na internet os links, cores e chamados são tantos que dificilmente se consegue chegar até o final. "Só pessoas muito bem focadas conseguem manter um nível de atenção produtivo ao se informarem pela internet".